Todo poder às mulheres
Correio Braziliense


Lembro-me dos protestos de colegas da Unicamp quando souberam que alguns homens estavam presenteando suas mulheres com flores no Dia Internacional da Mulher. Para elas o presente tinha o propósito de acalmar os ânimos daquelas que, secularmente discriminadas, usavam a data para suas manifestações de protesto e afirmação.
O fato é que o comércio venceu, uma vez mais: floriculturas estavam lotadas na última terça-feira, joalherias faturaram mais e, para horror das feministas, até panelas de pressão tiveram um incremento de vendas num período tradicionalmente ruim para as lojas. Entretanto, parece-me que nada disso é particularmente importante, apenas um reflexo das práticas sociais num mundo em que manifestações de afeto parece que precisam ser expressas materialmente. Basta ver os quartos de crianças de classe média, entupidos de brinquedos que, por serem tantos, mal são tocados. (E brinquedos intocados, como diria meu saudoso professor de português, João Tortello, é uma contradição em termos). Muitas vezes pais e avós substituem presença e manifestações de afeto por presentes caros e preferencialmente volumosos, da mesma forma que homens acham que podem substituir amor, sexo e fidelidade por flores, jóias e jantares caros.
               Em muitos lugares do planeta, o avanço das mulheres é flagrante. Hoje já está comprovado que elas lêem mais do que os homens, particularmente ficção. Numa sociedade em que a exibição de força física já não é tão importante (a não ser pela mania, um pouco excessiva, da modelagem corporal por meio de exercícios, esportes e intervenções cirúrgicas) o controle social tende a ficar nas mãos de quem sabe mais, cria, configura (formata) e controla o conhecimento. Por ler mais, estudar mais, doutorar-se mais, dedicar mais tempo à sua formação, a mulher tende a ocupar espaços cada vez maiores. Pelo menos no ocidente.
Em muitos países, como naqueles de civilização muçulmana (e não falamos apenas dos árabes: nem todos os muçulmanos são árabes e nem todos os árabes são muçulmanos, como nos explica Peter Demant no livro O mundo muçulmano) a mulher parece estar ainda em uma outra época histórica. Sem direitos civis (não pode decidir sua própria vida, não pode ir para onde quer), políticos (não tem direito a voto, mesmo nas poucas manifestações democráticas, na maioria dos países) e sociais (depende dos pais e depois do marido, para quase tudo) não acompanhou os avanços conquistados pelas mulheres ocidentais.
Cabe, é claro a pergunta: por que, então, as mulheres do mundo ocidental ainda não ganham o mesmo que o homem, mesmo quando exercem as mesmas funções, como pesquisas recentes estão mostrando?
Mais uma vez temos que falar do tempo histórico, muito mais lento para as mudanças de mentalidade do que para alterações políticas ou econômicas. Com todas as transformações econômicas, sociais e políticas que provocaram, mesmo as grandes revoluções do século XX não pareceram ter dado uma igualdade completa às mulheres. A Revolução Francesa demorou para reconhecer os direitos das mulheres, os soviéticos alegavam que elas tinham que esperar que o processo revolucionário se completasse para obter igualdade total (e nunca tivemos uma secretária geral do Partido Comunista mulher), em Cuba, até agora, luta-se contra o que chamam de “machismo latino”. Enquanto ocorrem mudanças de estrutura em ritmo acelerado, práticas cotidianas, papéis sociais e familiares, enfim, os universos de representação a respeito de mulheres sustentam-se, teimosamente, como há séculos.
Não ser inferior (nem superior), não significa, é claro, ser igual. Além das diferenças físicas, e em parte, parece, por conta delas, tende a haver diferenças na percepção do mundo e das pessoas, entre homens e mulheres. Benditas diferenças. Em poucos milênios o ser humano chegou a um nível extraordinário de desenvolvimento cientifico, avanço tecnológico e conforto material. Contudo, esse mundo conduzido pelos homens parece ter chegado a um impasse. Estamos começando a destruir mais do que construir, a matar mais do que criar, a ser hospedes indesejados de um planeta revoltado, a neutralizar avanços democráticos com restrições intoleráveis à liberdade.
Quem sabe, realmente, não tenha chegado a hora de entregar o poder às mulheres.