A dinâmica tecnológica e as expectativas dos leitores
Suplemento Fórum do Jornal da UNESP

Em co-autoria com Daniel Pinsky

               Em 1999, a grande novidade da Feira do livro de Frankfurt não era o lançamento de nenhum novo best seller. A grande vedete era o e-book, um aparelho que podia armazenar o equivalente a dezenas de volumes impressos em sua memória e prometia acabar com o livro em papel. Espalhou-se o pânico entre os profissionais do mundo do livro. “As Editoras desaparecerão em pouco tempo” - diziam os mais afoitos. De lá para cá, de fato, muita coisa mudou: O e-book ficou mais leve, mais ágil, tem mais memória, “conversa” com o computador, com o celular, armazena milhares de livros em sua memória. A nova geração, aquela que já nasceu interagindo com o computador, começa a chegar ao mercado de consumo. A internet popularizou-se e com ela o acesso a conteúdos. O google search (mecanismo que permite navegar nas páginas de livros digitalizados) surgiu, levando muitos editores a anunciar o apocalipse novamente... Contudo as previsões apocalípticas não se confirmaram e o bom e velho livro de papel continua a ser, de longe, o suporte mais utilizado para leitura de livros. A lazer ou a trabalho. 
Assunto encerrado? Não. O fato de ser o suporte mais utilizado não significa, necessariamente, que o papel será eterno ou único. Diversas iniciativas e estudos apontam que as empresas do setor não pretendem ser atropelados por estas novas tecnologias, como aconteceu com a indústria fonográfica. A filial de uma multinacional oferece “aluguel” de seus livros em formato digital por 10% de seu preço de venda. Na Câmara Brasileira do Livro (CBL) já se discute a possibilidade de um portal único que abrigaria as principais editoras universitárias brasileiras para venda ou aluguel de livros digitais. Algumas editoras já aderiram ao google search. 
São alternativas interessantes, ainda mais porque combatem uma praga que emperra o crescimento de editoras em geral, mas principalmente das universitárias: a reprografia. Por outro lado, não se pode negar o grande temor que muitas editoras ainda alimentam com relação às novas tecnologias, em grande parte por conta da pirataria. Ao aderir a alguma das modalidades baseadas nas novas tecnologias, o editor deve, efetivamente, considerar a possibilidade de ser vítima de pirataria (que, por sinal, já é praticada em escala industrial nas “casas de cópias” de muitas faculdades e imediações).
Se, dos pontos de vista da ética e dos direitos autorais a cópia desautorizada é altamente condenável (mesmo porque está criando uma geração que termina a faculdade sem ter lido um livro inteiro!) poder-se-ia argumentar que ela ocorre porque é a resposta mais adequada às demandas de determinado grupo. Se um aluno recebe como bibliografia uma lista com 8 livros, 1 capítulo em cada, ele comprará todos? Ou encontrará todos na biblioteca? Infelizmente para os editores a resposta é não para as duas perguntas. A “melhor” resposta é a reprografia. Vender livros aos pedaços resolve? Alugar o conteúdo para se ler nas telas vai substituir a reprografia? Ou fazendo isto os editores “canibalizam” seus livros físicos e potencializam as dificuldades de livrarias que perdem mercado? 
Na verdade o eixo da discussão é outro. O principal para o editor não é se o livro de papel vai ou não acabar ou se as livrarias, na sua configuração atual, só nos deixarão doces lembranças. Por mais que nós, como responsáveis por editoras e admiradores do livro em papel  tenhamos nossas preferências, não nos cabe tomar as dores dos fabricantes de papel e das gráficas, estas sim, diretamente ameaçadas. Nossa função social é a de editar e publicar, ou seja, estabelecer uma relação entre os produtores de saber e a sociedade e o mercado. Isto implica em configurar, formatar e fazer circular idéias. O papel é apenas o suporte que, nos últimos séculos, vem sendo considerado o mais eficiente para a veiculação dos conteúdos que colocamos à disposição dos leitores. Por mais que sejamos avessos às novidades, aquilo que temos que descobrir é: o que é mais adequado para o nosso público?As novas tecnologias realmente atendem as expectativas do leitor?  
Não temos ainda resposta para estas perguntas. E é exatamente por isso que precisamos, com os pés no chão, testar. Se não estudarmos e testarmos as opções enquanto ainda é tempo, corremos o risco de as empresas de tecnologia assumirem este papel e fazerem com que a tecnologia (softwares, bases de dados, mecanismos de busca) se transforme em algo muito mais importante do que o conteúdo. E isto é um enorme ameaça à qualidade e a pluralidade da produção de conteúdo que hoje existe no mercado. Nossos adversários não são os consumidores de nossos produtos. Temos que aprender a lidar com as novas tecnologias da maneira como elas são: ferramentas para diminuir a distância entre nós e nossos leitores. Sem deslumbramento, mas também sem medo. Com equilíbrio podemos dominar a tecnologia e dar as respostas mais adequadas a nosso público.