O livro não morreu. Viva o livro!
Correio Braziliense


Parece que o livro está ressurgindo: em poucos meses estão ocorrendo importantes feiras de livros tanto em capitais como Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, quanto em cidades médias como São José dos Campos, Ribeirão Preto e Sorocaba, sempre com grande afluência de público. Na Bienal do Livro de São Paulo, que vai de 25 de abril a 5 de maio, quase 20.000 metros quadrados de estandes oferecidos pelos organizadores esgotaram-se rapidamente e não há mais nenhum espaço para ser vendido. Pudera! São mais de cem mil títulos nacionais e estrangeiros à disposição dos leitores, várias centenas de lançamentos com outras centenas de autores presentes. Além disso, teremos palestras, mesas-redondas e debates com todo tipo de autor, seja no Salão de Idéias, seja no Projeto Universidade; será uma maratona intelectual com a presença de historiadores, lingüistas, sociólogos, psicólogos, matemáticos, geógrafos, economistas, romancistas, e por aí afora.
Temas como distribuição de renda, ensino público, turismo no Brasil, futuro da língua portuguesa, choque de civilizações, violência urbana, gestão das cidades, entre muitos outros, serão objeto de discussões consistentes entre autores de livros que têm muito o que dizer.
O curioso é que há poucos anos a área do livro vivia um ambiente bem diferente do otimismo de hoje: tanto a internet quanto leitores eletrônicos de textos se apresentavam como substitutos deste muitas vezes centenário confeccionado em papel impresso. Papeleiros e gráficos temiam pelo futuro de sua atividade e mesmo editores menos informados pensavam que o pão dos seus filhos estava comprometido. Não podia estar. Afinal, na sociedade capitalista, o trabalho do editor (falo agora de não-ficção) é transformar um produto cultural num produto de mercado, para que, na ponta do consumo, ele seja decodificado como produto cultural que era na origem. Para realizar sua função, ele deve ajudar o autor a definir com clareza qual o seu interlocutor e adequar linguagem e forma de modo a facilitar a interlocução. Noutras palavras, ele deve ter instrumentos para promover a circulação do saber. E, é claro, o editor precisa dominar a mídia utilizada para realizar a sua tarefa, seja ela o livro convencional, o CD, a multimídia, o filme.
Mas, como dizia, há poucos anos imaginava-se que o livro, esse objeto de papel pintado, estivesse com os dias contados. Mas ele resistiu, porque é insubstituível. E, a despeito do que dizem as más línguas, muito prático. O livro é portátil e auto-suficiente. O disquete e o CD serão talvez mais portáveis, mas demandam aparelhos bem maiores, pesados e caros para poderem ser lidos. Um bom livro pode ser carregado a qualquer lugar e é uma companhia maravilhosa em salas de espera (quando a clínica não faz a discutível gentileza de nos brindar com a televisão ligada em lacrimejantes novelas ou sanguinários noticiários), aviões (claro, você tem a opção de encher a cara e ficar olhando para a careca do passageiro da frente), metrô, ônibus. Quando o livro é seu, você pode dobrá-lo, escrever nele (o livro não é Deus nem a mãe da gente, não é sagrado) e anos depois, quando da releitura, se dá conta de sua evolução intelectual. Livro você lê no ritmo que deseja, acelera em algumas partes, degusta lentamente outras, pula o que achar chato, relê algumas vezes as passagens de que mais gosta: nisso ele é diferente do autoritarismo do cinema ou da tevê, que nos impõem o ritmo ao qual bovinamente temos de anuir, concordemos ou não.
Apesar disso tudo, ainda lemos muito pouco no Brasil, país em que, segundo alguns, saltamos diretamente da cultura oral para a virtual, não estacionando na cultura escrita. Outros, mais céticos, dizem que aqui só se faz leitura instrumental, lemos apenas manuais de funcionamento e seus derivados. A crítica, exagerada, não procede. Mesmo porque uma leitura pode levar a outra. E é preferível um leitor limitado a um não leitor, a um televiciado. Não há como comparar o livro à televisão. O enorme número de horas que as pessoas consomem junto à tevê é inacreditável. O grande problema é a facilidade com que acionamos, por controle remoto, os botões e nos deixamos cair nos sofás da sala zapeando, com a ilusão de que o mundo está passando à nossa frente. À passividade da tevê contrapõe-se à necessária postura ativa que a boa leitura nos solicita. Nem é preciso filosofar muito para sabermos quem é mais criativo, inteligente, inovador, o passivo telespectador ou o leitor que, mesmo quando lê uma bobagem, pelo menos tem que se dar ao trabalho de imaginar cenários e personagens.
A sensação que tenho – e não disponho de números para comprovar – é que, ao lado de uma multidão de passivos, a nação tem engendrado um importante contingente de seres pensantes. A rápida evolução do país nesses últimos anos, com a superação de oligarquias regionais de traços pré-capitalistas, a cobrança de ética na política, nos negócios e nas universidades, a participação da sociedade em movimentos políticos e o desenvolvimento da consciência do papel do voluntariado, são manifestações de uma elite pensante e responsável, que não se confunde com poder econômico e muito menos estamento oligárquico.
E, para desempenhar um importante papel nesse novo país que vem aí, há que se preparar. É onde entra o livro como ferramenta fundamental. E a boa notícia é que já há muita gente sabendo disso.