É possível praticar cidadania?
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Tem gente que não gosta mais de falar de cidadania, tal o excesso de exposição a que esta palavra foi submetida, com o conseqüente esvaziamento de seu conteúdo conceitual. Entende-se isso perfeitamente. Afinal, confunde-se cidadania com boas maneiras, reduz-se cidadania a proteção do consumidor, manipula-se os cidadãos em nome de programas mal organizados ou inviáveis, aproveita-se da cidadania para economizar impostos e divulgar gratuitamente esta ou aquela marca.
Contudo, por meio da História, é perfeitamente possível definir cidadania como o conjunto de direitos civis, políticos e sociais a que todos têm direito. Talvez se pudesse acrescentar que prover esses direitos é responsabilidade dos Estados nacionais que abrigam as pessoas, sejam elas cidadãs plenas, ou não. Mas isso talvez seja pedir demais a nações que abdicaram de sua obrigação de estruturar estados de bem-estar social e buscam apenas, e na melhor das hipóteses, não interferir de forma muito negativa no dia-a-dia das pessoas.
Por outro lado, e talvez em decorrência da atitude dos Estados nacionais depois da queda do muro de Berlim (poupo o leitor de explicar a relação entre uma coisa e outra, por ser óbvio), empresas e organizações não-estatais estão tomando para si o ônus (e o bônus) de atuar de forma pública, não só em busca de soluções imediatas para a colocação do seu produto, mas de maneira responsável visando tornar o capitalismo menos selvagem e o mundo mais habitável. Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), cerca de três quintos de todas as empresas brasileiras com um ou mais empregados declararam estar realizando, em caráter voluntário, algum tipo de ação social para a comunidade.
Mas não são só as empresas. De todo lado, pipocam iniciativas realmente cidadãs, destinadas a fazer com que as pessoas possam se sentir participantes do tecido social da nação, e não moradores de favor. Nesse sentido, movimentos de juízes, de promotores, de ecologistas unem-se a grupos que lutam contra o desemprego, contra más condições de moradia. Associações e grupos anti-racistas combatem lado a lado com entidades feministas e com pastorais que atuam pela dignidade do migrante e do imigrante, assim como das entidades que atendem os desassistidos. Intelectuais, jornalistas e membros do governo buscam soluções para a falta de oportunidades para os jovens, para que a leitura se universalize. A sociedade, enfim, está se levantando de um sono de cinco séculos, a proverbial passividade está sendo substituída por uma mobilização.
A iniciativa que tivemos ao publicar Práticas de Cidadania (Editora Contexto) tem como objetivo mostrar uma parte do muito que está sendo feito pela cidadania em nosso país. Ao convidarmos vinte pessoas para escrever sobre suas experiências cidadãs, gente como Cláudia Costin, Gilberto Dimenstein, Marcio Pochman, Marina Silva, Milu Vilela, Oded Grajew, visamos mostrar um painel de cidadãos exemplares voltados para realizações exemplares. Há muitos outros, é claro, espalhados pelo Brasil. Afinal, há um país que constrói e, mais que acreditar, pratica solidariedade.

Publicado no site http://www.empresario.com.br  em 31 de agosto de 2004