Afinal, o que quer o professor?
Correio Braziliense


Durante três anos e meio, fala-se da educação como a salvadora da pátria. Exalta-se a importância do professor, lembra-se que ela é a base de um desenvolvimento sustentável, a ponte que pode aproximar os pobres dos ricos (tanto pessoas como países). À medida que as eleições presidenciais se aproximam, o tema vai perdendo relevância, escondido que fica por questões dominantes como as soluções miraculosas dos economistas e as manifestações de esperteza explícita dos marqueteiros. A falta de análise crítica nos leva a exaltar tanto uns quanto outros, enquanto esquecemos que para cada marqueteiro vencedor haverá vários derrotados (exatamente como aconteceria com os candidatos se eles não existissem) e que economistas têm um nível de acerto equivalente ao de um relógio parado, que, afinal de contas, duas vezes por dia, indica a hora correta. A educação, ora, a educação é citada nas páginas internas dos volumosos programas dos candidatos, mas nunca submetida a uma discussão ampla, como temas totalmente irrelevantes o são (quantas vezes não lemos e ouvimos referência ao terno possivelmente Armani do Lula, a um alegado mau humor do Serra, a uma verborragia supostamente excessiva do Ciro e sei lá o mais quê).
O fato é que o Brasil se encontra, sim, num momento muito difícil de sua trajetória e, se não superar algumas barreiras que o impedem de se desenvolver, estará destinado a, durante muito tempo, permanecer no limbo das promessas não realizadas, do potencial que não se transformou em ato, no dizer do filósofo. E é evidente que a educação formal pode desempenhar um papel central, para o bem e para o mal. Afinal, se a escola pública era tão boa quando atendia quase que exclusivamente à classe média urbana, pode ser boa quando atende toda a população. Mas não do jeito que está.
               Não há substituto para o professor. Ele desempenha a função de estabelecer uma conexão entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do educando. Isso pressupõe um professor culto e interessado, versado nas conquistas que o homem obteve neste planeta nesses tão poucos milênios de civilização, de um lado, e no universo onde vive e atua seu aluno. Se não for estudioso e sensível, poderá não saber que os artistas do Renascimento italiano são mais importantes do que os banqueiros que conduziam a economia naquela época, que a virada do século XVIII para o XIX tem como figura central Napoleão, mas que o genial Beethoven talvez tenha influenciado mais pessoas até hoje com sua música do que o conquistador corso. Ser culto implica conhecer, explicar e condenar os crimes nazistas perpetrados no século passado, mas implica também reconhecer que foi no século XX que diferentes minorias ganharam direitos, que a pílula anticoncepcional e a minissaia apareceram, que Einstein tentou explicar o universo e Freud a alma humana. No final desse mesmo século, produtores são substituídos por servidores, e as indústrias ganham tal escala de produção que transformam o mundo num planeta de desempregados.
               Para conhecer o professor precisa ler, estudar. E conversar sobre temas relevantes, não só sobre quem traiu quem com quem na última novela das oito.
Mas isso tudo não basta para ser um bom professor. É ainda necessário conhecer o universo cultural do educando, seu ambiente, história familiar, referências culturais. Sem isso o professor não conseguirá desenvolver um trabalho, que lhe compete, de apresentar ao aluno toda a herança cultural que nossos ancestrais e nós mesmos construímos para ele. E como fazer isso correndo de escola para escola, ziguezagueando pelo trânsito das grandes cidades num carro velho e sem conforto, preocupado em não perder a hora, sem tempo de se fixar, de conhecer os alunos, de olhar bem no rosto de cada um, gravar fisionomias e anseios, inquietações e medos? Como dar uma boa aula devorando superficialmente as informações que o próprio livro escolar oferece, mal sabendo ele mesmo o conteúdo que deveria conhecer a fundo para poder ensinar?
Claro que há professores que não mereceriam esse título. Aqueles que, achando que ganham pouco, justificam suas aulas mal dadas sob a alegação de que sua aula deve equivaler à sua remuneração. Os preguiçosos e irresponsáveis, que não se dão conta de que cometem a maior injustiça ao descarregar no aluno as injustiças salariais de que eles são vítimas. Os palanqueiros, que se aproveitam do privilégio de terem platéia cativa para fazer proselitismo religioso ou político. Os superficiais, que criticam conceitos e concepções sem dar aos alunos a oportunidade de conhecê-los. Os preconceituosos, que, em vez de utilizar a escola para esclarecer equívocos e amainar preconceitos, fazem com que ganhem consistência, repetindo frases feitas contra minorias sexuais, religiosas, nacionais, regionais e, principalmente, raciais.
Mas se enganam aqueles que pensam que nosso sistema educacional está sucateado, que nossos professores não têm iniciativa, que se transformaram em funcionários burocráticos do ensino e apenas reclamam de suas condições salariais quando solicitados a se manifestar sobre os problemas da educação. Só quem está muito distante da realidade dos educadores não sabia e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo só fez comprovar, em pesquisa que acaba de realizar: mais do que melhora nos salários, o que os professores desejam é valorização profissional. Não que não se sintam mal remunerados, mas, antes de mais nada, sentem-se desejosos de formação continuada, processos contínuos de capacitação. Têm consciência de suas limitações e querem lutar para superá-las. O país precisa de um programa que una a nação em torno do projeto educacional. Quem se habilita em executá-lo? O professor, pelo menos, sabe o que quer.