Estado, impostos e cidadania
Correio Braziliense


              Críticas ao Estado podem vir de todos os lados. É verdade que as pessoas se embriagam pelo poder e fazem de tudo para perpetuar-se nele. Se vereadores, mal tomam posse, já tratam de alocar familiares e correligionários em “cargos de confiança” (eufemismo para assessoria pessoal paga com dinheiro público); se antigos presidentes da República admitiam o uso de jatos do governo para viagens “oficiais” de ministros a Fernando de Noronha, ou, se o atual, permitiu que eles fossem utilizados para buscar amigos dos filhos no ABC paulista para passarem férias em palácios presidenciais de Brasília... Se tudo isso acontece no setor público, não seria o caso de reduzir o Estado para reduzir o mau uso dele? 
Apesar de tudo não sou dos que acham que temos que ter um Estado mínimo. Na verdade, não vejo razão de ser de um Estado nacional se ele não se prontificar a suprir os quesitos básicos da cidadania como o direito à vida, direito de locomoção, de externar livremente opiniões e organizar-se com aqueles que o cidadão considera seus iguais ou parceiros (em partidos políticos, grupos religiosos, fãs clubes), o que implica em Segurança e Justiça, assim como estradas e transportes eficientes. Cabe ainda ao Estado propiciar oportunidades iguais a todos, o que implica num sistema público de ensino amplo e de qualidade. Creio ainda que, sem paternalismo, mas com mecanismos compensatórios quando for o caso, o Estado deve impedir que as pessoas morem debaixo de viadutos, passem fome, ou deixem de ser atendidas com dignidade pelo sistema público de saúde. Para isso serve o Estado. E como tudo custa dinheiro, há que arrecadar impostos.
O que parece ser cada vez mais necessário são mecanismos de controle de abusos do poder, regulamentação espartana e fiscalização rígida, para coibir o mau uso da coisa pública, algo difícil, mas possível de acontecer. Porém, há um outro tipo de abuso, vinculado à arrecadação fiscal, que distancia o Estado das pessoas comuns, faz com que ele, em vez de ser a estrutura político-jurídica de uma nação, apresente-se como monstro exógeno (não é por acaso que o animal símbolo da arrecadação fiscal no Brasil é um leão, não uma onça), ameaçador, sempre disposto a atrapalhar a nossa vida e a de nossas empresas.
Há poucos dias, pressionado por aliados de longa data, o presidente Lula mandou reajustar (bem abaixo da inflação dos últimos anos, aliás) as tabelas do imposto de renda da pessoa física. Por outro lado resolveu dar um aumento elevadíssimo no imposto das empresas prestadoras de serviço. Assim, cabeleireiras, revisores, médicos, restaurantes, afiadores de faca, advogados e tantos outros, dentro de um ano, pagarão mais 50% de imposto. Em troca de nada.
Tenho a sensação de que, ao impingir alíquotas cada vez mais altas, os responsáveis pela arrecadação já contam com a sonegação de uma parte importante de impostos. Como sabemos, obter uma nota fiscal de restaurante é, às vezes, uma atitude punida com longa espera, profissionais liberais de prestígio têm as famosas tabelas com e sem nota, e muitos prestadores de serviço vivem de brisa, a se fiar em suas declarações de imposto de renda. Contudo, há dentre eles os que pagam corretamente todos os seus impostos: quanto maiores as alíquotas, mais prejudicados ficam, exatamente, os que agem corretamente. É isso que quer o governo? É essa ajuda que pretendem dar às pequenas empresas que usam o “lucro presumido” como forma de facilitar sua contabilidade (é claro que não falava a sério o funcionário da receita que recomendava que cabeleireiras e revisores insatisfeitos contratassem advogados e contadores para usar o complexo sistema de lucro real).
            A solução, sabemos todos, não é onerar os já onerados, nem complicar a vida de trabalhadores sérios com burocracia complexa. A única forma de não atirar mais gente na informalidade é exatamente desonerar e facilitar a vida das pequenas empresas, e não o contrário. E para arrecadar mais, não há outra receita: há que se alargar e universalizar a base de arrecadação. Isto, uma vez mais, implica em facilitar a vida dos contribuintes, fiscalizar com seriedade e competência e criar uma cultura de exigência de notas fiscais. Por falar nisso, prezado leitor, quantas vezes você pediu sua nota no restaurante que costuma freqüentar?