Torcer ou não torcer, eis a questão
Correio Braziliense


Estamos em plena Copa. Isto significa que, por alguns dias, um sentimento comum englobará (sem trocadilhos) todos os brasileiros e nos fixará diante de telas, telinhas e telões torcendo para que possamos mostrar ao mundo outra vez que somos os melhores justamente no esporte mais popular do planeta.
            Não é pouca coisa, principalmente para um país que tem tido poucas razões para se orgulhar ultimamente. E que até hoje, apesar das condições favoráveis, não conseguiu estabelecer uma identidade nacional sólida, que vá um pouco além da alegada beleza das nossas mulheres (o que é verdade), do espírito aberto e solidário de nossa população (o que é bastante discutível) e da cordialidade do povo em geral (o que vem sendo desmentido de forma categórica). Nossa auto imagem, digna de filho de mãe italiana (muito mimado, com ausência total de superego) se recusava a ver por aqui preconceitos de vários tipos (“isso é coisa de americano”), corrupção deslavada, fraqueza de caráter e outras características não tão lisonjeiras que fatos recentes trouxeram à tona. E assim, feito o Dr. Pangloss, vibramos com nosso crescimento, esquecendo que foi o mais baixo da América Latina (está bom, ganhamos do Haiti, mas tenham a santa paciência), nos alegramos com o número de crianças nas escolas (deixando de lado o fato de que os alunos do ensino fundamental apresentam os piores resultados do planeta – incluindo o Haiti), nos felicitamos com o álcool, invenção nacional (e deixamos de lado a condição dos trabalhadores rurais e as queimadas que transformam o interior paulista num grande centro de pessoas com problemas pulmonares). 
            Por tudo isso, a Copa é legal. Esquecemos dores e sofrimentos e vibramos com os guapos rapazes que se mandaram para a Europa e não têm muitos planos para voltar – lá se dizem mais seguros.
            Mesmo sendo instrumentalizada pelos governantes, a Copa não merece ser esquecida. Ter um objetivo comum (ser campeões), que une pobres e ricos, não é mesmo pouca coisa. Os moradores arrogantes de prédios luxuosos saem do seu mutismo medroso e sorriem para os porteiros. Alguns até fazem um comentário rápido e condescendente sobre nossa última vitória. Mulheres fazem companhia aos seus maridos e descobrem que sim, é possível ver o mesmo programa, pelo menos uma vez a cada quatro anos. Palmeirenses e corintianos podem, finalmente, sentir-se vencedores e convencer os filhos de que a camisa que o pai usa não é necessariamente a de um perdedor compulsivo.
            Imaginar futebol sem luta entre torcidas! Com jogadores de boa técnica, bem preparados fisicamente e não aqueles que “sobraram” no Brasil, hoje grande exportador de capital humano em vários setores, inclusive no esportivo. Futebol de bom nível, juizes competentes, arquibancadas lotadas em estádios confortáveis e câmaras que nos ajudam a rever os lances controvertidos!
            Quem sabe se com a Copa volta um pouco da nossa cordialidade perdida, característica supostamente tão marcante a ponto de iludir grandes explicadores do Brasil que confundiram dissimulação com cordialidade... E bastava ver um depoimento em qualquer CPI para constatar a maestria com que exibíamos nosso talento para a hipocrisia e o cinismo...
É, resta o futebol. De preferência sem as patriotadas primárias e a perseguição a alguns jogadores daquele narrador (sabe qual?), mas até nisso se dá um jeito, tipo ver a imagem e ligar o rádio, ou ouvir baixinho, ou torcer em voz alta. O importante é ver todos os jogos do Brasil e torcer muito. E dou uma série de bons argumentos para isso, para quem ainda não se convenceu: melhorar nosso sentimento de pertencer a algo comum a todos, comer pipoca com guaraná, produzir adrenalina e utilizá-la numa boa causa, ver bons espetáculos, abraçar os amigos com vontade, mostrar que somos melhor que os outros em alguma coisa. Não chega?
De resto, perder a Copa não vai nos fazer mais politizados, nem desenvolver nosso espírito critico. Pelo contrário. Talvez vencê-la nos faça despertar o senso de responsabilidade que líderes devem assumir e isso seria muito bom. Além do mais, como é bom comemorar!


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