E agora, José?
Correio Braziliense


Durante milênios os faraós mantiveram a massa de camponeses em total miséria e ignorância, enquanto eles próprios, na qualidade de filhos do Sol, viviam magnificamente. Eles se permitiam construir túmulos, entre os quais as pirâmides, com tal quantidade de força de trabalho e tamanho volume de bens materiais que, se bem aplicados, permitiriam uma vida bem mais confortável a toda a população.
Na Idade Média não foi muito diferente. Enquanto os nobres lutavam e os religiosos oravam, cabia aos camponeses prover todo mundo de comida. A importância da Revolução Francesa consiste, principalmente, na concepção de uma cidadania que permitiria igualdade de oportunidades, sem pré-determinações, sejam elas decorrentes de relações familiares, origens sociais, títulos herdados ou outros instrumentos que serviam para compartimentar a sociedade.
A idéia de que as pessoas não são diferentes a priori só vai, contudo, empolgar o mundo ao longo do século XX, quando a universalização da leitura, a grande circulação de informações via jornais impressos, antes, e depois por meio do rádio, da televisão e, mais recentemente, da internet, passa a criar a globalização da informação. Se, por um lado, isso permite uma manipulação das pessoas nunca imaginada, por outro, implica num conhecimento de fatos que fogem ao controle dos manipuladores. Ao se passar uma informação com determinado objetivo, passa-se também, sem querer, outras, que podem ter efeito contrário àquela que se imaginou.
Assim, o trabalhador chinês, que tem uma remuneração tão baixa a ponto de fazer com que produtos chineses destruam a indústria local de qualquer país aonde eles cheguem, logo estará reivindicando o direito de consumir mais intensamente, alterando o crescimento chinês para patamares bem menores do que o que vem ostentando nos últimos anos. É viver para crer.
Da mesma forma, aqueles que acreditam que o povo brasileiro é apático e bovino, massa de manobra para políticos suspeitos, talvez esteja fazendo um bom investimento de curto prazo, mas seguramente vai quebrar a cara no longo. E é fácil deduzir o por quê.
1- O país não tem uma política habitacional consistente. É vergonhoso ver onde moram nossos compatriotas: favelas apinhadas, beira de rios, palafitas, áreas erodidas. Não dispõem de água encanada, muito menos de saneamento básico. As ruas, quando existem, não são asfaltadas, não há recolhimento regular de lixo. Quem está um pouco melhor habita a periferia das cidades, construindo suas casas irregularmente, puxadinho pra cá, puxadinho pra lá, sem licença das prefeituras e sem atenção delas, a não ser em ano de eleição.
2- O país não tem uma política educacional consistente. Finge-se que há escola para todos, mas confessa-se o fracasso da escola pública ao se abrir, nas universidade, vagas privilegiadas para estudantes oriundos... de escolas públicas. Discute-se como melhorar a escola? Não, discute-se como melhorar as cotas. E qualquer educador razoável sabe como resolver o problema da escola pública. Basta vontade política.
3- O país não tem uma política de segurança consistente. Enquanto os pontos de ônibus de uma cidade como São Paulo ficam lotados de trabalhadores tentando voltar para suas casas (que ficam no “anel externo”, a periferia, a dezenas de quilômetros de distância) o presidente da República, em plena campanha eleitoral, oferece uma virtual força federal para supostamente resolver o problema da violência urbana da cidade! E o governo estadual permite a queima de ônibus em todos os bairros da capital mantendo aqueles que deveriam cuidar da segurança pública encurralados; os donos de ônibus abandonam o povo sem transporte, alegando falta de segurança. Quando o Estado e os responsáveis entregam o espaço público aos bandidos, que esperança pode restar?
            Quanto tempo uma política de filantropia eleitoreira pode manter o país em estado de equilíbrio? Hoje em dia, se não for por bens culturais, pelo menos por bens materiais, muita gente está disposta a lutar. As contradições do nosso modelo econômico criam “aprendizes de feiticeiros”, pessoas que querem ter o direito de consumir aquilo que a televisão disse a eles ser indispensável.
            Os bandidos cooptam parte de nossa juventude, abandonada em bairros feios, sem lazer, sem perspectiva de trabalho, sem exemplos éticos, presa fácil do apelo para o consumo e para o ganho de uns trocados, seja qual for a forma.
            E agora, José?


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