Carta ao Ministro da Educação
Correio Braziliense


Este artigo foi escrito logo após a nomeação do terceiro ministro de educação do governo Bolsonaro. O primeiro parágrafo era para ele e pode ser útil para muitos. A partir do segundo vale para quem quer que venha a ser nomeado para a função.

O senhor começa sua gestão com polêmicas a respeito de suas qualificações acadêmicas, mas não é disso que quero falar nesta carta. Não que não considere importante as distinções acadêmicas, pelo contrário. Tenho orgulho da minha careira e admiração por numerosos professores e pesquisadores de alto nível que o Brasil tem produzido, muitos dos quais ainda estão em nosso país. As distinções acadêmicas, Ministro, são importantes, como condecorações e promoções para vocês, militares. Desde que sejam recebidas por merecimento, é claro. Mas, voltemos à educação.

O fato é que ela vai mal. Nas últimas décadas o Brasil foi alcançado e ultrapassado por países que investiram em ciência, tecnologia. Por culpa do baixo nível de nossa educação, nações que há pouco tempo eram mais pobres, hoje estão na nossa frente. Para dizer a verdade, Ministro, nem sei ao certo se esta carta faz algum sentido, se já não perdemos o bonde da História, se não estamos condenados a ser um pais marginal, simples fornecedor de produtos agrícolas para a confecção de ração. Mas já que o senhor chegou tão animado, afirmando-se técnico e não ideológico, vou tentar ajuda-lo.

O problema educacional brasileiro tem que ser pensado a partir do ensino fundamental. O que acontece lá em cima, nas universidades, pode ficar para outro momento. Temos bons centros de pesquisa, alguns cursos de alto nível e dispomos de professores dedicados. Há problemas, sem dúvida, mas a autonomia universitária vem nos salvando da ingerência política excessiva, como presenciamos em vários governos, particularmente neste. O importante é perceber a universidade como uma aliada, não como uma adversária. O nó da questão educacional está no ensino fundamental. E começa na alfabetização. Qualquer educador sabe disso.

Ainda tem gente que acha que alfabetizar é apenas ensinar a decodificar os sinais gráficos. Outros imaginam que implica também em mostra como juntar os sinais e compor palavras. Um terceiro passo seria dar sentido ao conjunto de letras, palavras, frases. E outros passos podem e devem ser dados. Quanto mais passos o aluno der, mais preparado ele estará.

Há, senhor ministro, uma enorme distância cognitiva entre a criança que, após anos de escola, consegue apenas declinar o som (ou um dos sons) atribuído a uma letra e outra que escreve, lê, entende, questiona, problematiza e cria algo seu a partir da leitura. Um não passa de analfabeto funcional, embora nas estatísticas entre como alfabetizado. O outro tem condições de ir muito mais longe. Para estes, a mais importante especialista brasileira em alfabetização, a professora mineira Magda Soares, desenvolveu o conceito de letramento. Não interessa apenas ensinar o aluno a decodificar sinais gráficos: é fundamental fazê-lo ler, entender, incorporar o que leu ao seu patrimônio cultural e, na medida do possível, abrir novos horizontes intelectuais a partir do texto lido. Vários bons educadores trabalharam e trabalham com alfabetização. Magda Soares foi além. Além de ter trabalhado por décadas na UFMG, em Belo Horizonte, dando aulas, orientado dissertações e teses, organizado grupos de estudo, a educadora resolveu aplicar seus conhecimentos em uma pequena cidade próxima da capital mineira onde criou o projeto Alfaletrar. E, o mais importante, ministro, é que preparou as professoras da cidade para estimularem o letramento de qualquer criança, pobre ou rica, branca ou negra. Os resultados que a educadora obteve com seu projeto estão à disposição de todos, Ministro.

Nem preciso dizer que, se o Brasil conseguir colocar todas nossas crianças no mesmo patamar de conhecimento, desde o processo de alfabetização, elas estarão em condição de igualdade para dar os passos seguintes. A seleção por mérito, e não por berço é condição fundamental para a democratização da sociedade. Ao transformar nossas escolas (todas elas, não só a dos “eleitos”) em espaços de excelência, o país não praticará apenas a justiça social no processo educacional, mas ganhará, em pouco tempo, milhões de jovens capazes de nos conduzir a níveis de excelência que nunca sonhamos alcançar. Mais cientistas, pesquisadores, escritores, filósofos... Jovens que, que nas condições atuais de nossa educação, perdem-se pelo caminho.

Resta, é claro, universalizar a experiência de Magda Soares, fazer com que ela chegue a todas as professoras alfabetizadoras e daí, a todos os alunos. Para isso, Ministro, será necessário contar com o apoio das universidades. Está vendo como o diálogo é necessário?