Aos
olhos dos pacifistas do mundo todo, ou ao menos daqueles que se apresentam como
tais, pode causar estranheza o fato de a região
conhecida como Oriente Médio ser tão conturbada. Não há nada a estranhar.
Vários fatores contribuem para que sociedades essa parte do mundo tenham um
comportamento tão pouco pacífico. O mais
conhecido deles é a enorme concentração de petróleo localizado em alguns países,
como Irã, Iraque, Arábia Saudita e diversos emirados. É importante registrar
que as sociedades formadas na região possuem características muito diferentes daquelas
encontradas em um
estado nacional tradicional. A lealdade ainda é, grandemente, definida por uma
identidade familiar, tribal, não nacional. Durante todo o período em que os
turcos dominaram a região (de 1517 a 1917, quatro séculos) não houve estímulos
políticos para criar fortes laços que caracterizam uma nacionalidade. A
lealdade ao clã, de um lado, e, no outro extremo, um pan-arabismo meio diluído
eram predominantes. A exceção, como se sabe, foi o Irã, onde a maioria da
população era persa, embora existissem minorias importantes de árabes, judeus,
entre outras.
Cabe
lembrar que as primeiras levas de árabes que emigraram para o Brasil, por
portarem passaportes turcos, foram chamadas de turcos. Até hoje muita gente confunde turcos com árabes em nosso
país. Já eles próprios consideravam-se sírio-libaneses
e assim são vistos por muitos (por sinal, temos até um conhecido hospital em
São Paulo com esse nome).
Para
complicar a situação, a presença inglesa e francesa, após a Primeira Grande
Guerra (a França e a Inglaterra derrotaram o Império Turco e ficaram com o
espólio), influenciou grandemente certos setores da sociedade de alguns países.
Eu mesmo fui aluno de uma imigrante libanesa que me dava aulas de francês, cuja
língua e literatura ela dominava. Parte
das elites culturais sírias, libanesas, egípcias e até iranianas falava inglês
ou francês fluentemente. Escolas e universidades inglesas e francesas foram
instaladas nas capitais e algumas cidades importantes. Mulheres começaram a
lutar por seus direitos (estimuladas pelas notícias das conquistas das
europeias) véus foram abandonados, roupas ocidentais
adotadas.
No
campo, contudo, continuava havendo uma relação de submissão estabelecida pelos
proprietários de terra contra os camponeses, os felás. E essa era a situação de
quase todo o campesinato palestino. Na verdade, nem há como falar de uma
identidade nacional palestina nas primeiras décadas do século XX. Ela iria
surgir e se desenvolver a partir da presença dos judeus, não daqueles que já
viviam na Palestina, mas os que começaram a chegar a partir da virada do século
XIX para o XX. Para saber como isso ocorreria temos que entender o que
acontecia, nessa ocasião, entre os judeus.
A
ideia nacional judaica, vinculada à sua terra de origem, desenvolve-se,
politicamente, ao longo da segunda metade do século XIX na Europa. Jovens
oriundos do Império Russo começaram a emigrar para a Palestina, impregnados de
idealismo igualitário, fruto das ideias marxistas. Foi um movimento raro:
jovens urbanos, oriundos de cidades como Kiev, Varsóvia, Odessa, ou tantas
outras, abandonavam suas cidades de origem, suas famílias, sua língua pátria e
viajavam para terras inóspitas onde formavam o kibutz, que era uma colônia
coletiva, em que não havia propriedade particular dos meios de produção e,
muitas vezes, sequer de roupas. O refeitório era comunal, a educação era
responsabilidade coletiva, não havia salários. O kibutz tinha a obrigação de
prover todo o necessário e os membros da comunidade cediam sua força de
trabalho, tanto quanto fosse necessária.
Foi
essa a base social que construiu o atual Estado de Israel. Evidentemente essa
base não se coadunava com a estrutura social do campesinato árabe, baseada em
modelos com características próximas ao do feudalismo medieval. Para os
proprietários de terra árabes, o exemplo de uma sociedade igualitária ao lado
de um sistema de exploração de mão de obra camponesa não interessava. Aí se
localiza o início do conflito. Não era uma questão nacional, como querem
alguns, nem em conflitos religiosos, como acreditam outros, mas em uma velha e
boa luta de classes...
Claro
que de 1948 até aqui, muito mudou. Mas não se pode esquecer que, quando a
divisão da Palestina entre árabes e judeus foi definida pela ONU, em sessão
presidida por um brasileiro (Oswaldo Aranha), ela foi apoiada com entusiasmo
pela então União Soviética e suporte não tão entusiasmado dos Estados Unidos.
Não se pode esquecer, também, que os países árabes limítrofes, sob o pretexto
de ajudar os árabes palestinos, invadiram os territórios do futuro Estado de
Israel de todos os lados, com a explícita intenção de jogar os judeus no mar,
e com o desejo implícito de saquear, à moda antiga, todas as propriedades
judaicas.
Sem
alternativa, os judeus conseguiram expulsar os invasores. Foi uma autêntica luta
de libertação nacional. E os palestinos, particularmente os mais pobres,
pagaram o pato. Injustiças foram cometidas contra eles, na ocasião? Foram, e
injustiças podem ter explicações, não justificativas. Não há dúvida, contudo, que
se o resultado da guerra fosse outro, as vítimas teriam sido os judeus. Eles
seriam trucidados sem dó, nem piedade.
Varias
guerras sucederam esta, até os vizinhos perceberem que raiva não ganha guerra,
que batalhas são feitas com tecnologia e que Israel havia se tornado uma potência
tecnológica. Embora com um terreno mínimo (a área total de Israel, mesmo
considerando os territórios em que há colônias judaicas na Cisjordânia, não dá
metade do estado de Espírito Santo), grande parte de terras desérticas, o país
tem um PIB superior à maioria dos países europeus. O padrão de vida é tão alto
que mesmo os árabes que vivem em Israel têm um nível de conforto material muito
superior ao dos palestinos que vivem em Gaza ou na área administrada pela
Autoridade Palestina.
Nesse
contexto, para que serve um projeto de paz apresentado pelo presidente
americano em cerimônia com a presença do primeiro ministro israelense e contando
com a má vontade dos palestinos? São até aceitáveis os comentários quase
unanimes daqueles que falam em gesto eleitoral, uma vez que visaria que visa
auxiliar a reeleição tanto de Trump, quanto de Bibi Nethaniau. Mas isso é reduzir a importância da proposta. Todos sabemos que inimigos externos, reais ou imaginários, são
utilizados para promover a união interna, assim como estimular a escolha de
líderes nacionalistas e belicistas. Não resolver o conflito pode ser bom para Nethaniau, mas é ótimo para o Hamas que, com o apoio do
Irã, mantem milhões de palestinos em situação de dependência em Gaza, sem
condições de criar um país próspero, algo que poderia ocorrer se se dispusessem
a discutir seriamente uma paz estável e duradoura com Israel. Dinheiro do
Ocidente, assim como petrodólares não faltariam para isso. Porém, do jeito como
as coisas estão, um plano de paz, qualquer plano de paz, torna-se um bom
pretexto para se queimar bandeiras israelenses e americanas e demonizar os
supostos inimigos. Não se resolve nada com isso.
Um
plano de paz, em vez de ser tratado, como deveria,
como um projeto para ser discutido e aperfeiçoado (com se faz com qualquer
projeto de qualquer natureza em qualquer democracia), se transforma em pretexto
para manifestações de ódio.
Um
recado: a paz é inevitável. A não ser que se matem todos os palestinos, ou
todos os israelenses (algo inconcebível), a paz acabará por vir. Não é mais
fácil encurtar a sua vinda, a partir de qualquer projeto que apareça? A partir,
insisto. Conversações são para acertar detalhes. Que tal sentar-se à mesa e
começar a discutir? Afinal, como é óbvio, conversações de paz se faz com
inimigos. Quem já é amigo não precisa de conversa...