Tempos
atrás, quando um político notoriamente corrupto governava São Paulo, um
conhecido, patriarca de poderosa família do interior reclamava de seu irmão que
havia dirigido importante empresa pública: “ele não foi correto; sim, conseguiu
fazer dinheiro suficiente para nunca mais precisar trabalhar, mas se esqueceu
da família”. Como se vê, até na corrupção há uma ética. E já tem gente
reclamando que com a Lava Jato essa ética está sendo desrespeitada.
A
corrupção no Brasil não tem funcionado por ondas: trata-se de um fluxo contínuo
que remonta à Colônia. Não que sejamos todos corruptos, mas temos convivido
pacificamente com ela. Temos um histórico de condescendência para com a
corrupção.
A
verdade é que, a despeito de todas as condenações, continuamos com a pequena
corrupção, cotidiana e muito difundida. É, por exemplo, a da secretária da
repartição pública que engorda seu salário digitando trabalhos “para fora”,
utilizando máquina, papel e tempo que deveriam servir à instituição. Os chefes
justificam esses pequenos desvios com a alegação de que os salários de algumas
categorias são baixos. Assim, estabelece-se um pacto: o chefe não luta por
melhores salários para seus funcionários, enquanto estes não devolvem à
comunidade o salário recebido. O investimento é social, o benefício,
individual.
Há
a média corrupção, também bastante frequente: é a do tipo que coloca frente a
frente o comerciante sonegador e o fiscal, por exemplo. Ocorre também em muitas
cidades em que o engenheiro de obras que assessora a prefeitura e libera as
plantas de construção de casas tem, “por acaso”, uma pequena firma de projetos
arquitetônicos, no nome da sua mulher. O corrupto médio tem sua ética: ele despreza
o pequeno corrupto e inveja o grande corrupto.
Já
este dificilmente trabalha sozinho. Tem equipes em que economistas e advogados
são peças fundamentais. Infiltra-se em órgãos públicos e especializa-se em
atividades que vão de fornecimento de merenda escolar e da retirada do lixo, à
exploração de serviço de transporte coletivo. A ironia é que o grande corrupto
se apresenta como um benfeitor, por empregar bastante gente, e servir a
população. Para ele, fornecer merenda
estragada para crianças ou colocar em circulação ônibus sem segurança é apenas parte
de um negócio, não um ato sórdido. E ainda se sente à vontade para criticar
mordomias no setor público...
Há,
finalmente, o megacorrupto. Hábil, insinuante, extremamente articulado, o
megacorrupto é um homem da sociedade. Sua especialidade é identificar desejos e
manipular interesses, como um Dom Corleone moderno. Dotado de grande
inteligência emocional é simpático, generoso com os amigos, implacável com os
adversários. Poderoso, infiltra-se tanto no serviço público – legislativo,
executivo e até judiciário – como na sociedade civil, onde influi nas organizações aparentemente alheias
e até avessas ao seu poder. O megacorrupto chega a ter desprezo pelos corruptos
menores, evitando contato físico com eles. Quando o contato se torna
indispensável, recorre a interpostos preocupados em agradá-lo.
Cidadão
do mundo o megacorrupto não suja as mãos com mercadorias concretas. Cínico ao
extremo, fala do dinheiro acumulada como fruto de trabalho honesto: seus
milhões guardados em paraísos fiscais não lhe parecem ter sido sonegados aos
miseráveis deste país. Não, já que ele pode até dirigir ONGs beneficentes e é homem
de bom gosto, roupas e mulheres discretas. É verdade que de um tempo para cá,
com a rapidez com que fortunas foram construídas graças ao apoio de benesses
governamentais, passamos a ter um novo tipo, o megacorrupto brega, mas a
análise deste fica para outro artigo.
Há,
é claro, enormes diferenças de grau entre todos esses
corruptos. O policial pobre, muitas vezes ele mesmo favelado, nunca sairá de
sua condição social e às vezes morre “no cumprimento do dever”, enquanto o
coronel marajá ganha regiamente, sem correr risco algum. O pequeno comerciante,
assoberbado por impostos e por uma legislação complexa e mutante, enxerga no
fiscal corrupto um sócio minoritário e pagá-lo significa apenas viabilizar seu
negócio.
Na
verdade, toda ou quase todo corrupto tem uma justificativa, e é isso que lhe dá
legitimidade social. Não ser envolvido por esses pretextos é fundamental para o
país dar o passo em direção da superação, ou da atenuação desse problema
endêmico.