O que vai acontecer com o livro? Ele
continuará existindo no papel ou apenas digitalmente? Neste caso, não acabará
sendo ultrapassado por mídias mais modernas? Muitos acham que pelo fato de eu
ser autor, editor e historiador tenho a obrigação de saber o que o futuro
reserva ao livro.
Confesso aos interlocutores, um pouco
contrariado, não ter instrumentos adequados para prever o futuro. Tento
explicar que o historiador é, por profissão, um camarada modesto: ele tenta
explicar o que já aconteceu, e por vezes até elabora uma narrativa coerente.
Não tem a pretensão dos economistas que insistem em fazer previsões... e quase invariavelmente erram. Nem dos adivinhos de plantão
que a cada final de ano cometem a proeza de profetizar sobre coisas óbvias e genéricas:
garantem que ocorrerá a queda de alguma aeronave; que um artista muito famoso
morrerá; que guerras continuarão assolando o Mundo Árabe e a fome não
abandonará a África subsaariana (minha avó Sara é capaz de fazer “previsões”
como essas...).
Já o historiador, no máximo consegue
explicar os “comos” do passado, raramente os
“porquês”. E esses são os bons profissionais. Pior são aqueles que não têm
pudor em alterar os fatos acontecidos para que se encaixem melhor em suas
teorias. Historiador que se preza também não se dispõe a produzir ficção
fingindo que é História, ou, em um neologismo descarado, uma “reportagem do
passado”... Nada disso. O historiador é modesto, mas é sério.
Ele sabe que o futuro é difícil de prever,
muito difícil. E o motivo é simples: olhando para trás temos clareza sobre o
caminho percorrido, ele nos parece lógico, óbvio até. Olhando para frente nosso
cenário é de muitos trajetos, todos aparentemente
viáveis. Qual deles será o mais adequado, qual nos levaria a um beco sem saída?
Não sabemos.
Que historiador poderia ter previsto que
em 1985 que teríamos um presidente eleito pelo Congresso e morto antes de tomar
posse, pelo menos dois outros depostos antes de completar o mandato, um
intelectual, um operário e uma mulher eleitos pelo voto direto? Quem sonharia em
ver banqueiros, grandes empresários e políticos importantes atrás das grades,
marqueteiros denunciando antigos chefes, governadores desonestos condenados,
candidatos a candidatos tremendo de medo? Ninguém. Mais ainda: há meio século
imaginava-se para o século XXI o tráfico urbano com veículos zanzando nas
alturas, aviões supersônicos ligando os continentes, viagens rotineiras para a
Lua, um mundo de robôs nos servindo em tudo e para tudo. Nada disso aconteceu. Por
outro lado ninguém previu algo que provocou mudanças radicais na vida cotidiana
dos habitantes do planeta: a Internet, com celulares, mídias sociais e todo o
resto. É pouco?
Assim, o prudente é seguir um
conselho que me dava Francisco Iglesias, talentoso e machadiano historiador
mineiro, já falecido: “Não se arrisque a fazer previsões para o ano que vem, fale
sobre o que vai acontecer daqui um ou dois séculos. Mesmo que erre, nenhum leitor
estará aqui para cobrar seus enganos”. Seguirei o sábio ensinamento. Cobrem
meus acertos ou erros em 2117. E aí vai minha primeira previsão:
O livro vai continuar existindo.
E a segunda: haverá leitores de
livros.
Não bastassem essas duas, arrisco uma
terceira: editoras continuarão sendo fundamentais.
Contudo...
A era de Gutemberg está acabando. A
leitura de livros como hábito universal (estamos, é claro, falando de pessoas
plenamente alfabetizadas e com acesso ao livro, comprando ou tomando emprestado
de bibliotecas) está se esgotando. Países desenvolvidos tiveram sua fase de
cultura oral, que foi, em grande parte, substituída pela cultura escrita.
Países como o nosso nem chegaram a ter um período com prevalência da cultura
livresca: saltamos diretamente do oral para o virtual... Com isso, a maior
parte da população se satisfaz com truísmos repetidos à saciedade, com bobagens
pomposas, com pseudoverdades profundas deslocadas de seu contexto circulando
pelo ar que nos cerca (tem gente que acha até que eles colaboram na poluição
das cidades).
Mas sempre haverá uma elite cultural,
originária de diferentes extratos socioeconômicos da população, que lerá,
aprenderá coisas com profundidade e será a criadora de softwares que serão
utilizados pela manada. Esta continuará postando bobagens dentro de um universo
de referências criado pela elite cultural, gente criativa. Os leitores de
livros, enfim...