Em algumas décadas o Brasil
transformou-se de país rural em país urbano. É verdade que a produção agrícola
não diminuiu, pelo contrário, mas a maior parte da população vive agora nas
cidades. Cidades grandes tornaram-se gigantescas e cidades médias são hoje
cidades grandes. Cerca de 20 municípios possuem mais de 1
milhão de habitantes e acima de 200 contam com mais de 150 mil habitantes!
Administrá-los tornou-se tarefa dificílima, mesmo desconsiderando eventuais (e
não raros) traços de incompetência e desonestidade por parte de muitos
prefeitos e vereadores.
Secretários municipais não ficam
próximos dos cidadãos, isto seria impossível em cidades mais populosas. As
pessoas, por seu lado, não se sentem donas da cidade. Edifícios com guaritas,
vigilantes guardando a entrada de condomínios, muros altos tentando isolar os
cidadãos de outros cidadãos, por medo, fazem dos habitantes das cidades
prisioneiros que respiram aliviados ao voltar para trás das grades no final do
dia, seja para conviver com sua família, seja para simplesmente esparramar-se
em uma poltrona para assistir à TV (cada membro da família na sua, se
possível), ou ainda para navegar pelas mídias sociais, onde poderá ofender quem
quiser sem risco...
As pessoas desenvolveram também o
hábito de ir ao shopping. Lá elas até fazem compras, mas utilizam-no mais para
passear, ir ao cinema, lanchar, levar os filhotes, encontrar amigos. O shopping
é uma instituição curiosamente classista. Depende do bairro em que se instalou a
“categoria” das lojas que abriga, o preço do
estacionamento, os restaurantes e cinemas e até a música que toca. Esta área,
aliás, é interessante: o volume do som de fundo dos shoppings é inversamente
proporcional ao poder aquisitivo do público a que se destina. Os de classe A
são tranquilos e silentes, os C, muito barulhentos. Com raras exceções, as
pessoas encontram centros de venda adequados à sua renda, aspirações, etc. Cada
um na sua tribo, como se vivêssemos em uma sociedade estamental.
Vivemos?
Rua é um conceito estranho. Quem passa
por bairros residenciais sofisticados (como o Jardim Paulista,
o Alto de Pinheiros, em São Paulo, vai encontrar vigilantes de quarteirão e
empregadas domésticas usufruindo daquela rua agradável, sob a sombra das tipuanas e das sibipirunas (ambas
com flores amarelas, se for primavera), enquanto os patrões entram e saem da
casa velozmente e nem sabem, por vezes, que aquelas lindas árvores abrigam
sabiás, sanhaços e outros belos pássaros. Nem mesmo notam quando o caroço de
uma manga vingou e se transformou em uma enorme mangueira, que por conta das
chuvas e do calor oferece suas frutas para os passantes, que podem também
escolher amoras, mamões e até bananas que não têm vergonha em se oferecer a
quem os desejar.
Claro que as ruas das cidades sempre
têm os que fazem uso delas, e às vezes, até abusam. São os que emporcalham as
paredes pichando qualquer espaço limpo. Não falo dos artistas que, bem ou mal
(é questão de gosto apenas) dão cores ao cinza, mas dos porcalhões que dão um
ar lúgubre à cidade. Mobilizar os cidadãos para coibir atividades desses
indivíduos é importante. Como importante é transformar as pessoas em
colaboradoras da cidade, não de um governo deste ou daquele partido. Todas as
cidades têm gente com espírito público. Gente que toma para si a responsabilidade
de manter um pequeno espaço verde, plantando, podando, aparando a grama, dando
um jeito de irrigar o verde no tempo da seca. Que tal potencializar esse comportamento? Há
quem se ofereça a apoiar creches, doando alimentos, ou equipamentos. Há
editoras que podem dotar bibliotecas de livros, particularmente as infantis.
O cidadão pode e deve zelar para que
as leis de cidade limpa sejam cumpridas. Já tem gente tratando de arrancar
faixas colocadas ilegalmente, assim como cartazes que sujam os postes. Outros
tentam impedir a distribuição de panfletos de propaganda enfiados às dezenas
nos para-brisas dos carros estacionados ou entregues em faróis de trânsito. Aos
poucos os cidadãos se dão conta do que é cidadania ativa: não simplesmente uma
série de direitos civis, políticos e sociais (que são indispensáveis e devem
ser preservados e ampliados), mas também um conjunto de obrigações que implicam
a busca do bem comum.
Cabe às prefeituras abrir espaço e
oferecer condições para que essas práticas cidadãs se espalhem pelas nossas
cidades.