Educação e inclusão social
Correio Braziliense


          Inclusão social é a bandeira da moda. Com a qual, parece, estamos todos de acordo. E como temos pressa, justificada mais por prazos políticos do que por séculos de exclusão, planejamos operações afoitas e tentamos justificá-las politicamente. Partimos de princípios dignos e generosos e passamos diretamente para táticas de implementação, saltando a necessária fase de planejamento estratégico. O resultado, usando metáfora futebolística tão a gosto do Presidente Lula, são firulas mais ou menos aplaudidas pela platéia, mas ausência de gols.
         
Falo, é claro, da área social, particularmente da educação. Por mais que me encante a idéia de se alfabetizar todos os adultos deste país, não podemos nos esquecer de duas coisas. Primeiro, ler não é como andar de bicicleta que, dizem, depois que se aprende não se esquece mais. Alfabetizar pessoas que não continuarão a ler pode ser e provavelmente será inócuo caso não se consiga inserir esses alfabetizados adultos no mercado de trabalho e na sociedade de forma diferente do que eles já estão, bem ou mal, inseridos. Alguns meses após concluir seu curso, com enorme esforço (além de grande investimento da sociedade) e declarar em cadeia nacional de televisão que se sentem outras pessoas, os adultos voltarão ao seu círculo social em que a leitura não tem vez e, assim, todo o investimento feito será jogado pela janela. Talvez mais tarde devamos e até possamos nos preocupar com isso, mas, de momento, temos outras prioridades na educação, se não quisermos, durante décadas, nos ocupar apenas em corrigir "problemas seculares".
         
A prioridade é escola pública de qualidade para todos, o que, aliás, está no próprio programa do PT. Não tem cabimento continuarmos a desperdiçar tantos talentos que não chegam a desabrochar por carências da educação formal, principalmente aquela de responsabilidade da escola pública. Que a escola pública pode ser boa, não há dúvida alguma. Mesmo nas condições atuais, vemos ilhas de excelência espalhadas pelo Brasil, gente idealista que dá muito mais do que recebe. Mas, se continuarmos do jeito que está, as ilhas não se multiplicarão.
         
E olhem que a escola pública, no ensino elementar e médio (os antigos grupos escolares, ginásios e colégios), era muito boa, estava entre as melhores. Alunos que conseguiam entrar em escolas públicas eram motivo de orgulho para suas famílias de classe média (perguntem onde estudaram pessoas como a filósofa Marilena Chauí, o promotor Antonio Visconti, o maestro Isaac Karabtchevsky, o jornalista Alberto Dines e tantos outros). Nosso velho e bom Colégio do Estado, em Sorocaba, tinha um excelente quadro fixo de professores concursados, que se empenhavam em educar aquele punhado de filhos da classe média para a vida. Ao ampliar sua base de atuação, ao se transformar efetivamente em escola pública, o sistema desabou. A privatização do ensino para os filhos da classe média ocorreu junto com a privatização da saúde, do transporte e, como já está acontecendo e vai se intensificar, com a previdência. Se quiséssemos atribuir o processo a uma mente maligna, diríamos que o raciocínio funciona na base do "quem pode, pode, quem não pode tem que se consolar com os sistemas públicos"...
         
Além de cruel, preconceituoso, até mesmo segregacionista, nosso sistema de educação acaba criando no momento do vestibular distorções absurdas, quando as vagas dos cursos mais disputados das melhores universidades públicas (e gratuitas) acabam ficando com aqueles que fizeram as melhores e mais caras escolas de ensino médio, enquanto os filhos do proletariado, se quiserem fazer faculdade, têm que se conformar com escolas privadas, nem sempre de boa qualidade (aqui também temos ilhas de excelência, mas essa não é a regra) ou com cursos de licenciatura em boas universidades públicas (uma vez que a carreira de professor do ensino público elementar ou médio atrai, cada vez menos, os jovens de classe média). Isto tudo tem um nome, que é reprodução da desigualdade.
         
Uma outra distorção que ocorre é que, cretinamente, limitamos o espectro de pessoas preparadas, ao não aproveitar todo o potencial deste país imenso, com uma população de quase duas centenas de milhões de habitantes. Da quantidade vem a qualidade, esta é uma velha lei não revogada, a não ser quando impedimos um enorme contingente de se desenvolver adequadamente e de ter, pelo menos, oportunidades iguais, ou equivalentes. E nós cometemos também essa asneira ao estabelecer, na prática, um verdadeiro sistema de castas em que, num extremo, continuamos encontrando arrogância e, no outro, dissimulação. E não me acenem com pessoas que romperam os limites de seu espaço social, pois, além de exceções, o freqüente processo de cooptação de que são objeto mantém o cruel sistema inalterado.
         
Tudo bem com fome zero, com cotas, com assistencialismo disfarçado, desde que isso seja algo emergencial e passageiro e caminhe junto com um plano estratégico de democratização da sociedade. E isso passa, é necessário insistir, pela escola de qualidade para todos, o que não se consegue sem professores qualificados e motivados. Por outro lado, tal conquista só se obterá por meio de uma mobilização nacional a favor da educação para todos e não de esforços esporádicos. Professores e alunos de pós-graduação das universidades federais, estaduais e de boas faculdades particulares devem ser chamados para colaborar nesse esforço. Verbas diretas, política de bolsas de estudo, assim como valorização dessas atividades nas pontuações de cursos podem estimular o envolvimento de todos.
          Escola pública de qualidade para todos. Tudo indicava que esta seria uma das verdadeiras prioridades do governo Lula. Esperamos mesmo que seja.