Quando professor, na Faculdade de Filosofia de
Assis, na USP, ou na Unicamp, gostava de perguntar aos alunos o que os levara a
se matricular no curso de História. Os motivos eram variados, mas sempre havia
alguém que escolhera a área por sua paixão pelo passado, particularmente pela
Idade Média. Havia até quem sonhasse em ser princesa, dessas que moravam em
castelos no alto de montanhas... Na função de destruidor de fantasias eu
recordava que a chance delas nascerem princesas medievais seria muito remota:
havia poucas princesas. Havia mais camponesas, de vida dura e curta, que
trabalhavam no campo, em suas casas e ainda eram, com frequência, vítimas de
violência sexual. Lembrava que, com todos os defeitos, as sociedades estavam
evoluindo, os direitos se universalizando e que, com todos os defeitos, a
maioria das pessoas tinha, hoje, vida melhor do que naquela época.
O fato é que temos dificuldade em avaliar
adequadamente o próprio tempo em que vivemos. O encurtamento das distâncias,
proporcionado pela evolução dos transportes e, principalmente, a anulação do
tempo para as notícias percorrerem os espaços faz com que tragédias ocorridas
em qualquer lugar do planeta sejam divulgadas de imediato em todas as
latitudes. Uma bomba que explodiu na Síria, um maluco armado que atacou
colegiais nos EUA, imigrantes somalianos que morreram afogados no Mediterrâneo,
uma mulher que foi violentada no Paquistão (ou no Piauí), tudo ouvimos e vemos
via TV ou redes sociais. Muitas vezes ao vivo. Com cenas chocantes, que se
repetem a ponto de deixarem de ser chocantes.
Temos a impressão de que o mundo nunca foi tão
ruim. Tão cruel. E esquecemos (ou não nos damos conta) das conquistas. Por pior
que o mundo esteja, ele já foi pior. Em outras palavras, o mundo está bem
melhor do que já foi, por mais espantoso que isso possa parecer. Vamos aos
fatos.
É bem verdade que há muita fome e miséria no mundo de hoje. Mas, algumas
décadas atrás, já foi bem pior. Segundo dados do Banco Mundial (cito o
jornalista Nicolas Kristof em artigo recentemente
publicado pelo New York Times), no início da década de 1980 (ou seja, há meros
trinta e poucos anos) 44% da população mundial viviam na extrema pobreza,
enquanto que agora essa proporção não passa de 10%. Claro que um em cada 10
habitantes desse planeta passar fome constante não é exatamente motivo de
orgulho para os outros 9. Porém, em comparação com o
que acontecia algumas décadas atrás (para não falar da
Antiguidade, ou da Idade Média) vemos que estamos avançando. Mas não é só: ao
longo de toda a História a esmagadora maioria dos habitantes era analfabeta,
não tinha possibilidade de acessar sequer o patrimônio cultural produzido pela
humanidade. Hoje, o número de alfabetizados adultos chega a 85%. Pode-se
alegar, uma vez mais, que 15% de analfabetos no mundo ainda é um número muito
alto. Concordo. Temos muito trabalho à frente. Mas que é um avanço, não há
dúvida. Há ainda um terceiro dado interessante. Embora em alguns países tenha
havido concentração de renda, a tendência global é de mais igualdade no
usufruto dos bens e serviços produzidos pela sociedade.
Olhando para além das últimas décadas fica
ainda mais fácil constatar uma evolução significativa em várias áreas, como a
da saúde. A mortalidade infantil, que ainda há pouco exigia que os casais
tentassem muitos filhos, já que poucos “vingavam”, caiu dramaticamente, este
fator contribuiu para que a média de pimpolhos por casal tenha diminuído não só
nos países mais industrializados, mas também em
sociedades como o indiana ou a indonésia, a mexicana e a brasileira. Vacinas
eficazes, medidas higiênicas, gravidez monitorada provocaram um milagre em
algumas décadas. Isto não é um mundo melhor?
Um amigo médico chamava minha atenção para as
pernas arqueadas das crianças, tão comuns há poucos anos, e agora quase
inexistentes. Para a cegueira, que hoje já não existe na mesma proporção de
antigamente, por conta da vitamina A, dos antibióticos que combatem o tracoma e
da cirurgia de catarata que provoca milagres e tem um custo baixíssimo.
O mundo está melhorando. Mas, atenção: ele não
melhora por geração espontânea. Não existe processo histórico sem seres humanos
organizados em sociedades. São eles e elas, ou seja, nós, que decidimos fazer
com que haja um avanço, ou um retorno à barbárie (como ocorreu com uma das
sociedades mais evoluídas do planeta, a alemã, com a adoção do nazismo).
Cabe a nós decidir.