Redemocratização e Contexto
Jornal da USP


O período de redemocratização, que vai de meados dos anos 1980 até os dias de hoje, tem se caracterizado pela cicatrização das marcas da ditadura, pela consolidação da democracia, pelo pleno exercício da liberdade de expressão, por governos civis escolhidos por voto universal, e pela incorporação de parcela maior da população na prática de cidadania. É bem verdade que ainda resta muito a fazer: nossa infraestrutura é lamentável, a educação tornou-se universal, mas carece de qualidade, os bens do Estado continuam sendo apropriados por uma minoria que se sente dona dele e por aí afora, mas não se pode negar que avançamos bastante.
 Os últimos 25 anos representam um avanço considerável, eu diria único. Afinal, a partir de nossa integração ao mundo europeu em 1500 fomos, por mais de três séculos, colônia de Portugal, por mais de oito décadas simples plebeus em uma monarquia que foi responsável por nossa estagnação econômica (basta ver os índices de crescimento dos EUA e o nosso no mesmo período), por quarenta anos cidadãos de segunda classe na República Velha. Depois de 1930 entrou Vargas, que logo tomou gosto pelo poder e dirigiu um estado repressivo, populista e com tendências fascistas (veja-se nossas leis trabalhistas, por exemplo). Apenas a partir de 1945 é que tivemos alguma democracia, logo interrompida pelo movimento de 1964, com a colaboração de militares, que tomaram o poder até 1985. Portanto, nossos avanços no último quarto de século não são nada desprezíveis.
Não por acaso a Editora Contexto está completando 25 anos. Uma empresa como esta, com a preocupação de fazer o saber circular, não ficar estagnado, é fruto da redemocratização e fator de democratização. Explico. Durante muitos anos a produção intelectual da Universidade Brasileira, por temor, falta de oportunidade ou vício acadêmico, dirigia-se apenas e tão somente à própria universidade. O radicalismo das ideias dificilmente tinha forças para escalar e sobrepujar os muros do campus. Quando ideias circulam de maneira fechada, sem abertura para a sociedade, não se tornam apenas estéreis: elas adquirem maneirismos, acabam valorizando certos aspectos formais que só têm significado dentro de um grupo de eleitos. A melhor forma de verificar a validade de ideias na área das ciências humanas e sociais é colocá-las em circulação, sair do campo meramente teórico e verificar se elas passam no exame prático. Em caso positivo, as ideias voltam revigoradas, porque fertilizadas pela sociedade, a mesma sociedade para a qual, em última instância, toda a produção universitária é, ou deveria ser, dirigida.
Nosso projeto era, assumidamente,  promover a circulação do saber, fazer com que a produção intelectual fizesse um movimento de sair da universidade para voltar a ela fertilizada pela intervenção da sociedade de leitores.
Não foi fácil. Éramos um pouco ingênuos, quando começamos, e nossos colaboradores imediatos, coordenadores de coleções (Ataliba na Linguística, Paulo e Hilário na História, Ariovaldo na Geografia, e tantos outros), tinham menos tino comercial do que eu mesmo. Partilhávamos da ingênua convicção de que livro bom acaba, de uma maneira ou de outra, sendo descoberto pelos leitores. Claro que contamos com a colaboração de distribuidores, livreiros e, no começo, uma rede informal de divulgadores, professores que adotavam sistematicamente nossos livros e os submetiam à leitura de seus colegas. Era uma rede solidária e eficiente que fazia com que nossos livros tivessem edições sucessivas.
Ao mesmo tempo ousávamos publicar alguns livros que se propunham discutir assuntos de momento. Há 20 anos saímos com Os fantasmas da Casa da Dinda, de Luciano Suassuna e Luiz Costa Pinto, este o autor da famosa entrevista com Pedro Collor, possivelmente o ponto de partida do processo que culminou com a saída do então presidente. Nossos livros discutem a situação das mulheres, a questão agrária, do meio ambiente, da democracia, do campo e das cidades. Publicamos recentemente uma obra (Pequena gramática do Português Brasileiro) destinada a melhorar o ensino de português nas escolas brasileiras. Publicamos uma História da Cidadania que se tornou obra de referência para o assunto, fonte de pesquisa e de pareceres jurídicos. Nossos livros para professores são utilizados no Brasil todo, tornaram-se bibliografia obrigatória para concursos e entram em todas as listas relevantes de compras feitas por secretarias e ministérios, quando eles buscam obras que possam ajudar a melhorar o ensino no país.
Um quarto de século, quase mil títulos, uma dezena de milhão de exemplares publicados colaborando com a circulação do saber.


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