Saco de gatos


São Paulo é o maior destino turístico brasileiro. Para cá afluem mais de 10 milhões de pessoas, brasileiros e estrangeiros, a cada ano. Ao contrário do que acontece em balneários, essa gente não fica parada nas inexistentes praias da Pauliceia, mas se locomovem o tempo todo, colaborando para tornar ainda mais difícil o trânsito: compram roupas, frequentam livrarias, vão ao teatro, ao cinema e a concertos, buscam restaurantes finos, ou pizzarias e churrascarias onde o volume substitui a elegância, terminam a noite em baladas e acordam cedo para reuniões de trabalho, pretexto de muitos para virem a São Paulo. O ano todo é assim, mas em dezembro é pior. O décimo terceiro, aquele salário esperado que fingimos não esperar, é dedicado a ser gasto e São Paulo induz as pessoas a comprar. Qual Nova York cabocla (nunca Miami ou Orlando, São Paulo é cidade séria) exerce papel civilizador (na concepção de Norbert Elias). Única cidade nacional do Brasil (o Rio de Janeiro já o foi, Brasília é sede do poder, não uma cidade “natural”), recebe e absorve brasileiros e estrangeiros, tratando-os da mesma forma que o faz com os próprios paulistanos. Aqui ninguém canta hinos regionais ou locais, ao contrário do que fazem gaúchos e baianos, nem bate no peito exaltando a identidade. É paradoxal, mas esta cidade de italianos e japoneses, judeus e libaneses, coreanos e bolivianos, é a única grande cidade brasileira que temos. Seria muito bom se fosse bem tratada.
Vamos a outro tema. Agora que a União Europeia decidiu que não mais ajudaria instituições sediadas no Brasil, já que nosso país teria condições de se cuidar sozinho, é chegado o momento de nos olharmos não mais como subdesenvolvidos, mas como potência emergente. Isso implica nos compararmos a países europeus, aos Estados Unidos, ao Japão, à Coreia. Concordo, muitos preços já ultrapassaram os desses países, mas não era exatamente sobre isso que eu me referia. O sanduíche de carne moída custar mais aqui do que na maioria dos países não me parece prova de desenvolvimento. Já em dados mais relevantes, como percentual da população jovem que conclui a universidade, número de técnicos em nível médio formados anualmente, ou mesmo índice de analfabetos na população, jovem ou não, levamos uma enorme surra, mesmo de vizinhos como Chile, Argentina e até Bolívia.
E só há pouco tempo o MEC acordou para algo que vínhamos alertando há décadas: nenhum programa de livro escolar dará certo se não tivermos professores bem formados, bem remunerados, motivados e objeto de formação contínua, para o que um programa consequente de leitura é fundamental. Como um professor que não lê pode ensinar o amor à leitura e ao estudo? Como um professor que se nutre (nutre?) apenas do livro didático pode enfrentar alunos que se alimentam de numerosas fontes de informação que o mundo digital permite?
Os professores têm o direito de reivindicar boas condições de trabalho. E a sociedade tem o direito de exigir bons professores. O Estado deve ser apenas o mediador entre o que a sociedade deseja e os agentes concretos, aqueles que operacionalizarão esses desejos. O resto é política, no mau sentido.
Mais um tema. Demógrafos garantem que crianças serão artigo racionado no futuro próximo, aqui no Brasil, como já são na Europa e em outros países desenvolvidos. De fato, industrialização e urbanização (opondo-se a economia de pequenas propriedades rurais) são inimigas de crescimento demográfico. Por outro lado, o desenvolvimento da tecnologia médica, assim como o atendimento mais rápido nas cidades do que no campo garantem uma sobrevida maior à população. Isso tudo significa que estamos vivendo um momento demograficamente favorável da nossa economia: ainda temos um número grande de gente jovem trabalhando para um grupo ainda reduzido de aposentados.
Esse número, contudo, tende a se inverter. As famílias têm menos filhos, as pessoas vivem cada vez mais e logo estaremos na mesma situação que países europeus (e o Japão), onde cada vez menos gente tem que manter um número de velhos cada vez maior. Lá há um agravante: o chauvinismo, que impede esses países de absorver decentemente os imigrantes que para lá acorrem para trabalhar pelos aposentados. “Trabalhar, sim, mas não competir”. “Trabalhar, sim, mas ser cidadão, não”. Nós, americanos em geral, com longa e recente experiência em assimilar estrangeiros, somos muito mais receptivos, é verdade, mas temos que aproveitar este raro momento demográfico para acumular gordura, pois o período de vacas gordas está acabando.


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