São Paulo parou
Correio Braziliense


Há cidades que privilegiam o transporte individual, outras se preocupam mais com o chamado transporte de massa. Na dúvida entre as duas opções, São Paulo se decidiu pelo transporte de gado. E gado de segunda, pois reses de qualidade recebem tratamento melhor do que as pessoas que precisam se locomover na cidade que, supostamente, não pode parar.
Os ônibus, muitos deles ainda montados em carcaças de caminhões, são dotados, em sua maioria, de degraus altos que constrangem passageiros (e principalmente passageiras e idosos), não dispõem de transmissão automática para evitar acelerações e freadas bruscas e estão longe de possuir têm ar condicionado. O resultado é que o motorista se cansa mais rapidamente e os passageiros viajam no desconforto.
A expansão das linhas do metrô, apresentado como a solução da lavoura, caminha a passos de tartaruga. Os meros 60 quilômetros existentes são uma piada diante de sistemas metroviários de Paris, Nova York, Moscou e mesmo de muitas cidades de terceiro mundo como Santiago do Chile, com mais de 80 quilômetros de metrô. Orgulho dos paulistanos quando foi inaugurado, o metrô é hoje mais um conjunto de latas para as sardinhas se comprimirem.
Os trens da CPTM, então, vêm caindo de padrão a cada ano. Promessas de renovação não passam de deslavada propaganda política. A cada quatro anos governadores e prefeitos fazem, sorridentes, o trajeto entre duas estações, fora dos horários de pico, cercados pelos bajuladores habituais, em comboio devidamente preparado e desinfetado. Afinal, eles não arriscariam sua saúde em vagões superlotados que as pessoas precisam enfrentar no dia a dia. É só notar o desespero dos trabalhadores que precisam, mas não conseguem, entrar nos trens a partir das 6 da manhã nas estações intermediárias. As pessoas são espremidas, chutadas, enconchadas, e ainda agradecem quando conseguem entrar. Um atentado à dignidade humana!
Poder-se-ia, talvez, dizer que São Paulo fez a opção pelo transporte individual, daí a precariedade do transporte público. Infelizmente isso também não é verdade. As ruas desta cidade estão constantemente esburacadas. De vez em quando aparecem uns caminhões fazendo remendos horrorosos, que mais parecem feridas mal cicatrizadas. Aquele montinho mal ajambrado deforma ainda mais o asfalto que nunca havia sido liso e em poucos meses a cratera é reaberta. Nesse momento o prefeito e o governador de plantão reclamam da natureza, da chuva, do vento, do frio ou do calor. O que me espanta é verificar que em algumas cidades do hemisfério norte, que têm variações de temperatura de 50 graus entre o pico do verão e o do inverno, cidades que sofrem com a neve e com o degelo, depois com temperaturas sufocantes e úmidas, o piso das ruas resiste muito mais. Será que a tecnologia de um bom asfalto ainda não chegou ao país, ou será verdade o que me diz um amigo engenheiro que afirma que os governos pagam por um bom asfalto, recebem um ruim, mas o caixa da campanha política seguinte está garantido com o troco? Não posso acreditar nessa possibilidade já que, como sabemos, todos os políticos são tão puros quanto as vestais mais imaculadas.
Governantes reclamam, nesta cidade, que carros e caminhões antigos poluem muito, estão quebrando o tempo todo e assim poluem e atravancam as ruas da cidade. A solução encontrada para o problema foi, realmente, genial: foi criada na cidade um programa de inspeção veicular para o qual foram convocados apenas... os carros novos. Sim, querido leitor, parece piada, mas é verdade. Todos os carros que poluem pouco e quase não apresentam defeitos são obrigados a pagar uma taxa de cinquenta e poucos reais para provar que... são novos, enquanto os veículos caindo aos pedaços, fedendo óleo de motor, não serão fiscalizados! Além do mais, é muito difícil conseguir agendar horário para fazer a tal inspeção. Um amigo, que mora na Lapa, um bairro do oeste paulistano, só conseguiu agendar sua inspeção para Aricanduva, no extremo leste da cidade. Como choveu no dia ele demorou exatas 6 horas para sair de sua casa, fazer a inspeção e voltar. Ajudou a atravancar o trânsito e colocou o selinho de qualidade no parabrisa do seu carro novo.
Clóvis Rossi, jornalista da Folha de São Paulo, diz que o slogan “São Paulo não pode parar” virou uma piada. Da qual, amargamente, nenhum paulistano acha graça. Com exceção dos governantes, é claro, que só estão pensando em como se cacifar para as próximas eleições.


Download do arquivo