O livro ainda está vivo. Viva o livro!
Correio Braziliense


                 David Lynch é um diretor de cinema conhecido e premiado. Devemos a ele filmes como o surpreendente O homem elefante, o violento Veludo azul e o emocionante História real, entre muitos outros. Contudo, talvez ele seja mais conhecido mundialmente por uma série que dirigiu para a TV, Twin peaks, aquela que passou no começo dos anos 90 do século passado sobre uma adolescente assassinada numa cidade pequena. Pois o mesmo David Lynch concedeu uma curiosa entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Perguntado pelo repórter se pretendia voltar a dirigir para a televisão, respondeu que nem para a televisão, nem para o cinema, que, segundo ele, são veículos que caminham para a obsolescência. Agora, diz, filmes devem ser produzidos para serem vistos pela telinha do computador.
 O curioso é que a entrevista de Lynch se deveu a um livro que ele lançou em inglês e que deve estar saindo, ou já saiu, em português. Resumindo: para o diretor, o cinema, com pouco mais de um século, e a TV, com cerca de meio século, são veículos superados. Ele está utilizando, para se comunicar com as pessoas, o jornal e o livro, mídias derivadas do sr. Gutemberg, com mais de cinco séculos de existência!
 É, o livro em papel impresso continua muito vivo mesmo. Prova disso é a 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, cuja inauguração ocorre quarta-feira, com toda pompa e circunstância e que ficará aberta de 14 a 24 de agosto. Mais uma vez, houve recorde de expositores e de metros quadrados de exposição reservados. O número de livros lançados também será recorde. Nunca, no Brasil, tantos livros, novos e já no catálogo das editoras, estarão à disposição dos leitores. A simples idéia de encontrar num mesmo teto mais de 200 mil títulos me deixa estimulado, e não posso deixar de pensar em roupas confortáveis, sapatos velhos, garrafinha de água na mão e cartão de crédito na carteira para enfrentar adequadamente a maratona aeróbico-cultural.
 Conscientizando-se, aos poucos, de que o livro pode ser considerado um produto de mercado (menos quando ele é escrito e, principalmente, lido), mas é um produto cultural, os editores têm aproveitado o evento e montado uma grande rede de atividades paralelas à exposição: debates, mesas redondas, palestras, seminários. Salão de Idéias, Espaço Universitário, Café Literário, Fala, Professor são alguns dos nomes sugestivos de atividades que trazem estrelas nacionais e internacionais e que vão discutir temas tão diversos como o novo acordo ortográfico da língua portuguesa, o trânsito nas metrópoles, o futuro do Brasil, métodos para melhorar o ensino básico no país, etc.
 Segundo os diretores da Câmara Brasileira do Livro, organizadora do evento, talvez 800 mil pessoas visitem a Bienal. A seguir dados levantados na feira realizada há dois anos, quatro em cada cinco visitantes comprarão livros, sendo que um em cada cinco gastará mais de R$ 100. São números impressionantes. Que talvez ajudem a superar outros números não tão bons assim. O número de livros vendidos por ano no país (excetuando os adquiridos pelos governos para fins didáticos) não chega a dois exemplares per capita. Eu e meus leitores compramos muito mais do que isso, mas tem muita gente que não compra livro nenhum.
 Fala-se muito de amigos do livro. Mas não se deve esquecer que ele tem inimigos também. Inimigo do livro é aquele hotel onde a gente vai passar uns dias e não tem luz de leitura na cabeceira. Tem também os responsáveis pelas salas de espera nos aeroportos, com avisos gritados por vozes estridentes (onde está aquela antiga voz grave e sensual?) e, pior ainda, TV ligada com som alto o tempo todo. Isso vale também para rodoviárias e até para ônibus intermunicipais, agora com a indefectível TV ligada. Todos inimigos. Não a TV em si, mas os responsáveis pela sua má utilização. Descobri mais um inimigo do livro: o maníaco por celular. Sabe quando você está no bem bom de uma praia potiguar? Tomando uma água de coco, sentado ao lado da mulher amada, lendo um belíssimo romance? Aí, do nada, aquela senhora a alguns metros de você liga, aos berros, para alguém da família, para contar como aquilo estava tranqüilo e agradável (e até estava antes dela urrar aqueles truísmos no celular). Essa também é inimiga do livro. Espero que ela não vá à Bienal.


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