Queremos ministros grandes
Correio Braziliense


Com os seus divulgados 110kg espalhados por 1,90m de altura, o ministro Nelson Jobim anunciou que as companhias aéreas devem rever sua política de colocação de assentos nos aviões. Segundo ele, não há o mínimo de conforto nas aeronaves “redesenhadas” para receber mais uma ou duas fileiras de poltronas, com a finalidade de transportar mais gente e aumentar o faturamento das empresas.
 A medida é muito boa e torço para que ela se efetive. Mesmo tendo medidas bem mais modestas, apenas 1,80m de altura e meros 87kg (ainda excessivos, segundo meu implicante cardiologista), não posso negar ter perdido o prazer que tinha nas viagens aéreas. Muito pelo contrário — embora não tenha chegado ao ponto de embarcar e confiar apenas em Deus —, confesso encará- las com profundo desagrado a ponto de ter deixado de aceitar convites para palestras que implicavam viajar de avião.
 Um amigo diz que o avião não tem mais graça. Ele se lembra do tempo em que tomar um simples cafezinho em Congonhas era atividade social da juventude de classe média, época em que viagem era um verdadeiro ritual, com a presença de parentes e amigos na partida e no retorno. Eu nem quero tanto, mas convenhamos que finalizar uma viagem aérea hoje em dia deveria nos garantir medalhas: para chegar até o aeroporto temos que enfrentar o trânsito típico das cidades brasileiras, mal organizadas e com excesso de veículos.
 Os aeroportos, lotados, não oferecem conforto, apesar de sua cara de mausoléu cheio de granito. Em troca, eles nos torturam com aparelhos de televisão tonitruantes, que nos perseguem em todos os cantos, não nos permitindo sequer o conforto da leitura. No chek-in, somos avisados de que nossa maleta de mão não é mais considerada de mão. Uma muda de roupa, material de higiene, uma agenda e um livro só podem viajar no porão do avião, e aí, sim, temos que seguir a sugestão do presidente Lula: rezar para que haja um reencontro feliz entre nós e a mala.
 Finalmente, achamos um canto em que a voz monótona de Ana Maria Braga — ainda a TV — não alcança, e abrimos nosso livro, tentamos ler um pouco. Aí encontramos outras ameaças. O celular, nos preveniram, não deve ser usado em aeroportos, sob risco de clonagem. Sem se preocupar com isso, alguns executivos — ou figuras que querem se passar por executivos — usam o aparelho para, aos berros, dar ordens de compra e venda de ações, ou exigir providências urgentes de seus subalternos sobre assuntos supostamente sigilosos. E aí o primeiro aviso: nossa aeronave decolará “logo depois que pousar” (?!). Explicando melhor, a saída não atrasou, o que atrasou foi a aterrissagem. E sem aterrissar o avião não decola.
 Pronto, começou. Quatro horas depois, consigo a informação de que a aeronave (sempre ela, porque não usam simples aviões?) pousará “a qualquer hora”, mas, sim, dá tempo de almoçar calmamente. A empresa aérea paga? Claro que não, não é atraso nosso, mas do outro aeroporto que tinha neblina, ou chuva, ou falta de teto, ou excesso de tráfico aéreo. Vou para o restaurante e pago a refeição do próprio bolso, com medo de não ouvir os avisos da chegada do meu vôo. Não deveria me preocupar: o “qualquer hora” demorou hora e meia.
 Enfim embarcadas, as pessoas entram ansiosas e se espremem, dando joelhadas nos rins do passageiro da frente. Depois de mais algum tempo, ar-condicionado desligado (mais medida de economia), rostos suados e pressão arterial baixando, ouvimos o aviso de que o avião (desculpe, a aeronave) vai decolar. Pelo menos partimos. Com sorte e, como diz o outro, ajuda de Deus, chegaremos.
 Olha só o que a crise aérea está causando: minha intenção não era contar uma viagem aérea, mas fazer simples comentário a respeito das vantagens de se encontrar certo tipo de gente para certos cargos. Um ministro grande talvez resolva o problema das poltronas muito próximas nos aviões, assim como um prefeito com alergia às placas gigantescas atacou problema que nenhum outro antes tivera a coragem de enfrentar. Aí está, talvez, um bom critério para a escolha de ministros, secretários, prefeitos e até presidentes. Autoridades da educação que tenham alergia a escolas que não ensinam; pessoal da saúde que não se sinta confortável com atendimento de má qualidade; secretários municipais que tenham ojeriza a fiscais corruptos; dirigentes de cultura que se sintam mal com a pouca difusão da leitura no país. Fica a idéia.


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