Diário de Sampa
Correio Braziliense


Juízes de futebol e bandeirinhas erram com freqüência: por preguiça de correr, falta de forma física, parco entendimento de regras, má-fé e outros tantos motivos. Suas mães são “homenageadas” pelos torcedores do time prejudicado, mas a coisa logo é esquecida. Menos quando auxiliar é uma mulher e, pior ainda, bonita. Os sábios jurisconsultos do ludopédio, como castigo por um pecado genial, colocam-na para bandeirar jogos da segunda divisão paulista.
Empenhados em melhorar o fluxo da Rodovia dos Bandeirantes, que liga São Paulo ao norte e noroeste paulista, a concessionária alargou alguns trechos criando uma quarta faixa de rolamento, nos dois sentidos. Acostumados a trafegar pela pista do meio, supostamente a mais segura (pelo menos havia um instrutor de auto-escola em Campinas que garantia isso; eu só não sabia que ele tinha tantos adeptos), os motoristas lentos não tiveram dúvida: bandearam-se para a terceira pista, deixando a primeira para um ou outro caminhão e a segunda vazia. Desperdício que a polícia —preocupada apenas em punir quem ultrapassa em dois ou três quilômetros a velocidade permitida — não se interessa em corrigir. E a estrada vive o paradoxo do congestionamento convivendo com pistas vazias.
 São Paulo não tem apenas ruas lotadas de automóveis, mas presencia a deterioração das regras de cordialidade no trânsito, por tensão, ignorância e falta de civilidade dos motoristas, assim como por falta de policiamento preventivo. Os únicos funcionários que são vistos, ostentam os blocos de multas exclusivamente para estacionamento proibido e avanço de semáforo. Automóveis e caminhões caindo aos pedaços pode, como pode parar em fila dupla, não respeitar prioridade em rotatória (isso é coisa de boiola, explicou-me o motorista do táxi em que eu estava) e, principalmente, invadir faixa de pedestres. As poucas ainda existentes são invadidas por todo tipo de veículo e motorista. E os pedestres? Em São Paulo pedestre não é gente.
 Apesar de ser, para mim, a melhor cidade do Brasil, devo reconhecer que São Paulo é feia. Mesmo aquela pequena região que chamamos de centro expandido, onde ficam quase todos os lugares que freqüentamos, não é nenhuma beleza. Até pouco tempo atrás todos reclamavam das placas comerciais imensas que escondiam até as linhas arquitetônicas das edificações. O atual prefeito, de direita (ou centro, como ele diz, pois no Brasil, estranhamente, ninguém se confessa de direita), resolveu enfrentar os muitos interesses em jogo e estabeleceu regras para a publicidade externa. Só a diminuição do tamanho dos arcos de triunfo gastronômico de uma rede de hambúrgueres insossos já valeria a pena, mas, como há que criticar o alcaide, tem gente que começou a achar que mulher pelada de dez metros de comprimento ingerindo cerveja é politicamente correto.
 Nada mais burguês em São Paulo do que um intelectual de esquerda motorizado. Em recente evento social, fiquei numa roda de gente de espírito crítico, muitos livros publicados, nomes carimbados. Quando o papo caiu no assunto motocicleta, as máscaras caíram. O ódio que eles revelaram ter quando um dos motoqueiros profissionais se aproximava do seu valente Golzinho (uma conhecida intelectual ficou com um fusca caindo aos pedaços durante anos por uma questão de princípio) só se comparou com a alegria com que expressaram seu encanto “pelas conquistas de Hugo Chávez para todo o povo latinoamericano”. Quando lembrei que se tratava de trabalhadores fundamentais para impedir que a cidade parasse (cada motoqueiro faz entregas que quatro automóveis teriam que fazer, o que equivaleria a colocar mais uns 400 mil veículos nas ruas de São Paulo), seu ódio frustrado encaminhou-se para o “sistema”, que tem costas largas.


Download do arquivo