O cenário não está tão feio
Correio Braziliense


O primeiro turno das eleições que acabaram de se realizar propiciaram um coro de lamúrias e reclamações que poderiam ser classificadas em quatro categorias: 1) a dos que não gostam de democracia, por interesse ou ignorância e estão ansiosos para que ela volte a ser suprimida; 2) a dos insatisfeitos com os resultados; 3) a dos pessimistas mórbidos e 4) a dos que são incapazes de entender fatos, números e cenários.
 Discordo. Foi uma eleição muito boa. Antes de mais nada, o clima esteve excelente. As pessoas estão votando com liberdade cada vez maior. Salvo casos episódicos, os conflitos foram poucos e controlados com eficácia, o nível de obediência às determinações da Justiça Eleitoral foi surpreendente (considerando as muitas mudanças estabelecidas na propaganda), o ambiente de votação foi calmo e a apuração em todo o país tão rápida e eficiente que muita gente reclamou da “demora” ocorrida em São Paulo (não mais de três ou quatro horas para um contingente de quase 30 milhões de votos). É só nos lembrarmos de como ocorrem as apurações nos Estados Unidos, por exemplo, para termos de confessar nossa admiração pelo trabalho da Justiça Eleitoral.
 A liberdade dos eleitores se manifestou até — e surpreendentemente — com relação a vontades manifestadas por eles próprios alguns dias antes. A não ser que creditemos os erros dos institutos de pesquisa à má-fé ou à incompetência (e não há nenhuma razão para que se pense isso), ocorreram alterações de última hora em vários lugares do país, decorrentes, sem dúvida, de mudanças de opinião, em função de novas informações, de mais reflexão ou de diálogo com amigos. Não vejo como condenar o eleitor: mudar é um direito dele. Pesquisa de opinião não é compromisso de voto.
 Leio e ouço críticas a congressistas eleitos. Em São Paulo, por exemplo, ridicularizam-se muito os eleitores dos deputados federais mais votados, encabeçados por Paulo Maluf, tido e havido como exemplo de corrupção. Ora, setecentos e tantos mil votos em São Paulo não é uma votação espetacular, notadamente para um político que milita há décadas e ganhou, junto com a imagem de corrupto (e não estou aqui fazendo juízo de valor a respeito dele) a de tocador de obras. Não há nada de extraordinário que 3% (sim, leitor, míseros 3%) dos eleitores paulistas achem que, a despeito de uma imagem suspeita, Maluf seja um político que ainda tem o que dizer.
 Não se trata, é claro, de defender o malufismo — que, pessoalmente, sempre combati —, mas mostrar que é razoável que uma pequena parcela da população pense e, eventualmente, aja como Maluf, daí escolhê-lo para representá-la. O mesmo raciocínio vale para alguém que se apresenta como representante dos gays, ou mesmo do autoritarismo, sutil ou truculento. O povo tem o direito de escolher representantes que possam representá-los, para o bem e para o mal, não é verdade?
 De resto, as boas notícias não são poucas. Dos políticos envolvidos em diferentes máfias, um número maior foi derrotado do que reconduzido. Agora é acompanhá-los com lupa. Oligarcas, que transformavam seus estados (e até outros, falsos domicílios eleitorais) em extensão do seu quintal, vão sendo cada vez mais contestados, ameaçados e até derrotados. Mulheres têm tido desempenhos brilhantes. (Quem diria que, no Rio Grande do Sul, considerado um estado machista, duas jovens deputadas se encontrem entre as mais votadas e uma candidata ao governo do estado tenha sido a surpresa, derrotando três ex-governadores?) E, convenhamos, muita gente boa foi eleita, tanto para funções legislativas quanto para executivas.
 A democracia está funcionando, portanto. Claro, porém, que no segundo turno, cabe aos candidatos, particularmente àqueles que disputam a Presidência, ir um pouco além e fazer com que o alento se mantenha. Nós, o povo, gostaríamos de saber pelo menos três coisas dos dois candidatos, antes de votarmos: 1) vocês estão dispostos a transformar a escola pública (que foi de qualidade, quando não era universal, e perdeu a qualidade, quando se tornou universal) num espaço de democratização de oportunidades e não de reprodução de desigualdades? Se a resposta for positiva, gostaríamos de saber como farão isso. 2) quais as estratégias que utilizarão para reverter a situação que fez com que nosso país, embora crescendo lentamente, ficasse cada vez mais para trás, uma vez que quase todos as demais nações do planeta estão avançando mais rapidamente? 3) quais os mecanismos que pretendem usar para manter a lisura dentro da máquina governamental?


Download do arquivo